quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Quando o amor dá lugar ao pesadelo... (parte I)

Em 2006, de um total de 15.758 crimes registados pela APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), cerca de 86 por cento foram crimes de violência doméstica. As vítimas, essas, eram essencialmente mulheres (90,6 por cento) e os autores do crime, maioritariamente homens (90,3 por cento). As mulheres casadas representavam mais de 50 por cento do total das vítimas.
“Tudo começou quando me juntei ao meu namorado, depois de cerca de seis meses de namoro”. Manuela (nome fictício) inicia, assim, o relato de um passado que ainda está bem presente e que tão cedo não acredita vir a esquecer. “Durante o namoro, ele tinha um comportamento normal, era uma pessoa impecável e muito carinhoso”, lembra. Manuela tinha, na altura, 20 anos e estava prestes a viver um dos piores pesadelos da sua vida: “De um momento para o outro, começou a ter uns ciúmes doentios e eu não podia sequer andar na rua com a cabeça levantada, porque senão era porque estava a olhar para alguém”. O primeiro empurrão atirou-a ao chão e marcou o início de uma vida de medos e humilhações...
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“Recomeçar” a vida

«Aceita falar connosco, mas, ainda assustada, escolhe o anonimato e toma todas as precauções que o medo a obrigou a aprender a ter. Hoje, Manuela tem 21 anos e está na Casa Abrigo “Recomeçar” há cerca de um ano e meio. Destinada ao acolhimento temporário de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, acompanhadas ou não dos seus filhos menores, a casa abrigo da delegação de Matosinhos da Cruz Vermelha abre as portas em Outubro de 2005 e é o porto de abrigo de muitas mulheres que ali encontram a solução de fim de linha para um problema que, sozinhas, não têm forças para solucionar. Mulheres que não são, salvo algumas excepções, do concelho de Matosinhos - por uma questão de segurança - mas que aqui encontram a paz e a tranquilidade que a maior parte das vezes nunca tiveram e que as ajuda a levantar a cabeça e a “recomeçar” a vida.
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Desejo antigo da Direcção da delegação, a casa nasce, finalmente, com a cedência do terreno por parte da Câmara de Matosinhos, a candidatura ao FEDER aprovada e um acordo atípico realizado com a Segurança Social. Estrutura de acolhimento temporário, com capacidade para 25 utentes, recebe mulheres encaminhadas por centros e núcleos de atendimento a vítimas previstos na lei, que chegam com um diagnóstico técnico feito, e pressupõe critérios de admissão bem definidos. “Desde logo, temos de ter uma mulher vítima de violência doméstica exercida de forma reiterada. Não é que um episódio pontual não possa ser acolhido, mas o problema é que, muito provavelmente, essa mulher ainda não está determinada em quebrar o ciclo de violência”.
Seis meses é o prazo estabelecido na lei para este acolhimento temporário. Prazo que pode, no entanto, ser prorrogado por iguais períodos, desde que isso não seja imputado à mulher: “São situações em que não foi possível, em tempo útil, concretizar as metas que foram traçadas para aquela mulher, não por culpa dela, mas por razões externas a ela”.
Manuela está na casa há cerca de um ano e meio e é, por isso, um desses casos. Chegou grávida de cinco meses e desta tem feito, desde então, o seu lar. Aqui encontrou a paz que há muito não sabia mais o que era.»

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